Camelos – The real Dakar Rally

Para além do livro da Carolina Salgado, o ano de 2006 ficou marcado por várias manifestações contra a destruição do nosso planeta (a Terra, não Zurg; evitemos mais sarilhos deixando tudo clarinho como um bebé nazi). Ora, o que é que se faz em Portugal para dar o exemplo de respeito pelo ambiente e gestão racional de recursos energéticos?
Obviamente, organiza-se uma prova em que participam centenas de carros e camiões de alta cilindrada, que se fazem acompanhar de outras centenas de veículos de apoio. Para além disto, o rally provoca uma imensidão de trânsito de curiosos que, não obstante estarem diariamente duas horas dentro do carro, ao fim de semana preferem repetir a dose para ver – adivinharam – mais carros (aqui podia escrever que se os portugueses são os que mais andam de carro não se podem admirar por ter os combustíveis mais caros da Europa, mas não o vou fazer). Para compor o ramalhete, organiza-se uma das etapas em área protegida, a do estuário do Sado, que é para o pessoal não ver só os concorrentes na aborrecida A2.
E isto é o que se passa por cá, porque em África já morreram, que se saiba, mais de vinte crianças por atropelamento. Quer dizer, não são bem crianças, são africanos que, para além de pequeninos, morreriam de fome nas duas semanas seguintes, pelo que também não interessam muito. Adultos e animais que lhes dão o sustento também já quinaram, mas curiosamente essas imagens a organização do rally, certamente por esquecimento, não mete lá para o meio daquelas onde mostram os pilotos cheios de estilo ou os pôr-do-sol deslumbrantes no deserto. Também curiosamente, fica toda a gente muito chocada e surpreendida sempre que morre um piloto idiota que – e aqui chamo a atenção para a estranheza destas mortes, até acho que deviam pôr a Scotland Yard a investigar isto – seguia a 180 à hora em cima de calhaus pontiagudos.
Mas nem todos os efeitos do rally são negativos: um gajo do povo sahrawi encontrou a carteira de um mecânico com 150 dólares lá dentro e comprou uma casa para ele e outra para os paizinhos, coitadinhos; e um garoto faminto de uma outra tribo encontrou meia sandes mista que caiu de um dos vinte helicópteros da organização. Valeu-lhe o ano.

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