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Face à incerteza na aplicação da expressão “à noite todos os gatos são pardos”, esclareço que pardo, em bom português, significa preto. Ora, se os felinos são escuros na penumbra, o que só assim podia fazer sentido, como até um ceguinho podia ver de tão claro que é, caso o referido ceguinho tirasse os óculos de sol que tão frequentemente ostenta, o parvo, de manhã todas as pessoas são estúpidas.
Sem excepção. Prova: já dei por mim, ao volante e com a estrada desimpedida, antes das nove da manhã que a minha vidinha é só amarguras, a exclamar ao imbecil cujo canto da testa vejo no retrovisor interior, “anda lá ó boi, acelera, fosga-se que de manhã anda tudo a dormir!”.
Desconfia V. Exa., que se habituou a ler aqui um excelso português, que não sou eu que profiro semelhante frase, desconfiança essa motivada pela aplicação de um “fosga-se” não inteiramente gratuito, mas em promoção no Lidl, vá. Não posso concordar com V. Exa., como aliás não posso concordar com ninguém que perde o seu tempo a ler-me. Pois se eu comecei por escrever que de manhã não há alminha que não seja estúpida, arremessar um “fosga-se” é tão natural como uma remela no canto do olho depois daquela reunião às onze e meia da manhã, quando finalmente a estupidez se vai dissipando como se fosse um Gorosan num sábado à hora de almoço, a efervescer dentro de meio copo de água (essa é outra: o primeiro copo de água de um sábado sabe invariavelmente a whisky, dando o mote para a bonita expressão “aos sábados, toda a água tem álcool do bom”).
Ora, chego finalmente onde queria: na rádio não passa um, unzinho anúncio decente. É com cada anormalidade jesualferreiriana que o meu cérebro ainda dormentezinho, coitadito, se atrofia tanto que quase o sinto no céu-da-boca (isto para mim não tem tracinhos, mas o corrector do Word disse que sim, que tem).
Tenho ouvido um, digamos, anúncio, que consiste numa gaja supostamente famosa a dizer que está apaixonada pelos seus pneu Bredstein, que têm design Chiu Chiara. Veja V. Exa. se esta merda não é coiso suficiente para um gajo se passar?
Tivesse eu vidinha para isso, e bem que gostaria de passar aqui alguns dos anúncios, comentando-os devidamente e convidando alguns dos publicitários responsáveis para me elucidarem quanto à intenção exclusiva de me arreliar pela madrugada ou, pelo menos, para me explicarem porque é que eles podem trabalhar sobre o efeito de substâncias psicotrópicas enquanto eu só tenho acesso a uma máquina de snacks com um pastel de nata lá dentro tão antigo que quando for comido vai ter direito a reforma completa e jantar de despedida.

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