Serviço de Finanças

Por motivos profissionais tenho de me deslocar frequentemente àquilo que gosto de considerar o paradigma da função pública - os Seviços de Finanças. Ora, o tema justificava um blog humorístico próprio, mas por motivos ponderosos (nomeadamente, porque não me apetece) resolvi antes escrever apenas este post.
Aguardava eu a minha vez de ser atendido, quando a conversa da pessoa à minha frente chamou a minha atenção:
- Mas eu paguei isto!
- Pois, mas foi fora do prazo e, por isso, o sistema não assimilou o pagamento.
Imediatamente me veio ao pensamento a imagem de Agentes do Matrix a assimilarem pagamentos e um pequeno pagamento a desviar-se em "tempo bala" dos disparos efectuados pelo Agente Smith, enquanto os restantes pagamentos clandestinos olham com espanto e devoção dizendo "É o Pagamento Escolhido!" Decidi, nesse momento, pagar sempre tudo fora de prazo. Mas continuou:
- Quando é assim, mais vale nem pagar.
Uau! Quem é esta pessoa a quem as Finanças dizem que não tem de pagar? Quem era este ser todo poderoso? A mim nunca me tinham dito isso num Serviço de Finanças. A revelação atravessou-me como uma bala.
- Mas deixe estar, Xô Zé, fica aqui que eu resolvo.
Xô Zé seria o nome do meu primogénito.
- Obrigadinho, ó Matias. Já agora, sabes se lá em baixo, o Afonso, tem orégãos? É que eu preciso de comprar alguns para temperar as minhas azeitonas.
- Não sei, mas passe por lá, que é capaz de haver.
Nesse momento, testemunhei algo que nunca mais esquecerei. Quando o ingénuo Matias deu esta vaga e dispersa resposta, tentando finalizar a conversa e atender outra pessoa (eu, por sinal), dá-se uma longa pausa. Xô Zé não cede, e fixa o olhar de Matias. Matias deixa cair uma gota de suor e ao fim de alguns segundos de silêncio, com a voz trémula, diz:
- Espere aí... que eu vou ver.
Seria possível? Iria Matias procurar saber se o Afonso tinha orégãos para temperar as azeitonas de Xô Zé? Não. Não podia ser verdade. Nisto, Matias desloca-se à sua secretária, hesita entre o telefone das Finanças e o próprio telemóvel e liga para Afonso que, ao saber que era para Xô Zé, disse, de imediato, sim, ter orégãos.
Misteriosamente satisfeito com a resposta, Xô Zé despede-se com um benevolente até breve e, sem movimentar as pernas, como que flutua, em graça, para fora do Serviço.
Era a minha vez. Seria, também eu, capaz de dominar aquela mente claramente inferior?
- Bom dia venho para uma diligência marcada.
- Está atrasado. Já alguém o atende. Próximo!
Bolas. MM